domingo, 21 de agosto de 2011

Ponte do Fundão

A ponte sul da Ilha do Fundão, atualmente em obra e com previsão de inauguração em outubro deste ano, foi projetada para desafogar o trânsito intenso na saída da ilha e servir como cartão postal para quem chega à cidade do Rio de Janeiro, vindo, sobretudo, do aeroporto internacional do Galeão - Antônio Carlos Jobim. Construída sobre o canal do Fundão, a ponte liga o Sul da Cidade Universitária, pela avenida Pedro Calmon, à Linha Vermelha, na direção do Centro da cidade, em sentido único (duas pistas para saída de carros da ilha). Além da arquitetura, a obra de arte chama atenção pelo modelo de contratação e gestão da obra e sua inserção em um projeto mais amplo de revitalização de uma área deteriorada da baía de Guanabara.
"A revitalização ambiental do Canal do Fundão responde a um passivo ambiental de muitos anos, que é o assoreamento desta área. Aqui existiam nove ilhas que foram aterradas entre as décadas de 40 e 50 e viraram uma ilha só. Além disso, no lado do continente, houve o crescimento de comunidades no entorno que também contribuiu para a diminuição da passagem de água, estreitando o canal. Isso provocou o assoreamento intenso da região. Indústrias de todos os tipos, curtume, metalurgia etc. contribuíram para a contaminação tóxica dos sedimentos da região, numa época em que a legislação ambiental não era rígida", explica o subsecretário de projetos e intervenções especiais da Secretaria de Estado do Ambiente do Rio de Janeiro, o engenheiro Antônio da Hora.
Desassoriar, dragar e ver onde lançar esses sedimentos contaminados: aí vem um dos principais desafios do projeto, intensamente discutido não só dentro da área técnica do governo, mas na comunidade acadêmica da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), que é quem vai receber os sedimentos. O projeto foi debatido entre o Governo do Estado, as empresas contratadas, a Fundação Universitária Bio-Rio e o Centro de Pesquisas e Desenvolvimento Leopoldo Américo Miguez de Mello (Cenpes) da Petrobras. Ficou pronto em 2008 e começou a ser executado em maio de 2009, com previsão de término em dezembro de 2011.
O gasto total das obras é de R$ 292.250.000. Sobre o modelo de financiamento adotado, a lei estadual 3.467 de 14/9/2000 (artigo 101) permite que multas sejam convertidas em obras e serviços ambientais. O dinheiro vem, então, da Petrobras, por meio de um convênio assinado entre a empresa, o Governo do Estado, a Procuradoria do Estado e a Fundação Universitária Bio-Rio. À medida que é atestado que o dinheiro foi empregado na obra, multas da empresa são abonadas. O dinheiro sai dos caixas da Petrobras diretamente para a UFRJ, por meio de sua fundação, que é quem fez os editais de contratação, os pagamentos e a fiscalização das obras. O governo acompanha o projeto para ver se cada etapa foi cumprida conforme o proposto.
No projeto inicial, seriam gastos R$ 194.740.000 e haveria um conjunto menor de obras: dragagem de 4 mil m do canal, o plantio e recuperação de manguezais e o paisagismo das áreas da Cidade Universitária onde estão sendo depositados os resíduos contaminados oriundos da dragagem. Mas os resultados positivos ? diminuição do odor ruim e melhoria dos aspectos ambientais e estéticos do local com as obras feitas até então ? fizeram com que o Estado e a Petrobras resolvessem ampliar o projeto para um conjunto maior de obras: extensão do trecho dragado, o saneamento e urbanização de uma vila com 1.700 residências, a saída Norte da Ilha do Fundão para a Ilha do Governador e a ponte estaiada. Para esse conjunto de obras da segunda fase, foi feito um aditivo de contrato no valor de R$ 97.510.000.
A primeira fase do projeto envolve a dragagem de 4 mil m do canal, o plantio e recuperação de manguezais e o paisagismo das áreas da Cidade Universitária onde estão sendo depositados os resíduos contaminados oriundos da dragagem. A segunda etapa inclui extensão do trecho dragado, o saneamento e urbanização de uma vila com 1.700 residências, a saída Norte da Ilha do Fundão para a Ilha do Governador e a construção da ponte estaiada.
A ampliação da região dragada de 4 mil m para 8 mil m é uma reivindicação da Associação das Empresas do Caju e da Ilha do Fundão (AECI), que estima que a melhoria do canal possa gerar cerca de 6 mil novos empregos. Já a ponte estaiada e a urbanização da vila são reivindicações da UFRJ, como consta no Plano Diretor UFRJ 2020, aprovado pelo Conselho Universitário em novembro de 2009. A expectativa de circulação na ponte é de cerca de 20 mil a 25 mil veículos por dia, segundo Antônio da Hora.
O projeto da ponte
A ponte foi projetada pelo arquiteto Alexandre Chan, da PCE Projetos e Consultoria de Engenharia, o mesmo que projetou a ponte sobre o lago Paranoá, no Distrito Federal, considerada em termos técnicos não uma ponte estaiada, mas uma ponte de arcos com cabos, embora também possua estais. A luminotécnica ficou a cargo de Peter Gasper ? iluminador nascido na Alemanha que fincou carreira no Brasil projetando as luzes de obras grandiosas como o Sambódramo (RJ), a Catedral de Brasília, a Praça dos Três Poderes (DF), o Museu de Arte Contemporânea de Niterói (RJ), todas obras de Oscar Niemeyer, a barragem de Itaipu e a recente iluminação do Cristo Redentor (RJ). O cálculo estrutural foi feito pela V. Garambone Engenharia e a obra está sendo executada pela Construtora Queiroz Galvão.
A ponte possui pilone único, construído em concreto armado, que ancora 15 estais metálicos em plano central único, dispostos em formato leque-harpa e apoiando tabuleiro em progressão longitudinal de caixas de concreto armado visando à construção por balanços sucessivos, contrabalançados por três pares de estais traseiros em dois planos. A opção pela ponte estaiada e pelo apoio único se deu pelas condições do solo, que tem partes aterradas nas duas margens, sendo o solo do continente desprovido de terreno seco disponível. A solução foi localizar o apoio único na Ilha do Fundão.
As obras da ponte começaram em julho de 2010 e têm previsão de término em outubro de 2011. Na segunda semana de junho, o quarto estai foi colocado, faltando 11 para a conclusão da obra. De dez em dez dias um estai é colocado. "O sistema estaiado tem caído no gosto não só pela beleza, mas porque permite a construção progressiva das lajes, o que facilita a construção", opina o arquiteto Alexandre Chan.
A altura do pilone único é de 95,5 m a partir do bloco de fundação até o mastro do para-raios e sinalização de navegação aérea. Seu formato é compacto, evitando as soluções em A ou Y invertido, retratando os esforços estruturais principais provenientes dos estais. A área do bloco principal de fundação é de 360 m². Não há pilares de apoio nas águas do canal, opção feita em nome do meio ambiente e da proteção dos manguezais existentes na região.
O tabuleiro básico da ponte é formado por duas pistas separadas pelo plano único de estais, de mesmo sentido de trânsito, e largura livre de 4,5 m cada. Segundo Chan, as pistas são maiores do que as tradicionais, de cerca de 3,5 m de largura, para dar mais conforto aos motoristas. Não há passeios para pedestres ou vias para bicicletas. O tabuleiro é construído em concreto armado aparente, em lajes modulares em formato usual de caixas para serem montadas em balanços sucessivos, com perfil ascendente da ilha para o continente.
O vão de travessia do canal sustentado por estais é de 172 m. O comprimento total da ponte é de 780 m. A área total da obra, incluindo a rótula de acesso, é de 11.550 m². Há 70 estacas em blocos de fundação no pilone e 27 estacas em cada um dos dois blocos traseiros.
O percurso da ponte começa em uma rótula que conjuga a avenida Pedro Calmon e outras vias internas da Ilha do Fundão, prossegue em mão única permitindo troca de faixa até o interior da ponte, onde não há opção para troca de faixa. Esta condição é recuperada após o último estai, já no continente. Deste ponto, as duas faixas prosseguem em curva até sua conversão em uma única em acomodação com a Linha Vermelha, sentido Centro da cidade e zona Sul.
O curto percurso e a busca da simplificação no projeto estrutural levaram à opção pela bifurcação da pista junto ao pilone, diminuindo a velocidade de acesso e obrigando à escolha prévia das faixas, sem opção de desvio no interior da ponte, dividida pelo plano de estais.
A altura livre mínima para navegação, no início da ponte, é de 9,9 m, o que permite a passagem de embarcações de pequeno porte. Segundo o arquiteto, não houve exigências quanto à altura para navegação, por isso o desenho do tabuleiro é quase reto.
A opção pelo concreto armado foi um diálogo entre o arquiteto e a construtora. Embora o arquiteto preferisse o aço, o concreto foi escolhido para facilitar a execução da obra e o cumprimento dos prazos. O aço só seria essencial no caso de uma estrutura muito pesada ? o que não é o caso de uma ponte de apenas duas faixas e sem passagem de pedestres ? ou se houvesse estruturas muito finas, como um pilone mais fino. O cimento utilizado é em cor clara e não será pintado.
Para a construção das pistas, foi feita uma modulação do terreno na região do pilone. Em cima disso, será feito um paisagismo com palmeiras imperiais, arbustos e flores brancas. Na avenida e nos canteiros não haverá projeto de iluminação, que ficará restrita ao vão estaiado.
O paisagismo também é um projeto de Alexandre Chan. Além das áreas de acesso à ponte, o projeto inclui o paisagismo das duas áreas onde serão despejados o material contaminado resultante da dragagem. As áreas com paisagismos não são prioritariamente destinadas a passeio. Haverá espaço para caminhadas, mas não para bicicletas, por exemplo, porque o terreno com o material contaminado não suporta. Por isso também não haverá iluminação nos jardins.
No projeto paisagístico, há também um repuxo de 20 m de altura, que já está pronto, situado no canal, próximo à ponte. Ambos, na opinião do arquiteto, são o símbolo da revitalização ambiental da Ilha do Fundão. "O repuxo, por exemplo, faz parte do projeto paisagístico e é um símbolo do projeto, já que as águas estão mais purificadas. Podemos ver uma água do próprio canal, saindo pelo repuxo, agora com aspecto muito mais limpo", diz.
Material contaminado
A Revitalização Ambiental do Canal do Fundão é considerada uma das maiores dragagens de material contaminado do mundo. Várias dragas, de tamanhos diversos, foram utilizadas no processo de aprofundamento do canal. A areia retirada foi utilizada pela prefeitura da própria Cidade Universitária em suas obras. Já o material contaminado foi depositado nas chamadas "geobags", bolsas enormes de malha sintética que podem chegar a 80 m de comprimento por 27 m de largura e 2,4 m de altura.
As "geobags" com material contaminado estão sendo depositas em áreas da própria universidade e ficarão ali, como substratos do solo. O terreno é impermeabilizado por baixo, o material geocontido e depois impermeabilizado por cima. Essas áreas serão devolvidas para a universidade urbanizadas e com paisagismo desenvolvido pelo arquiteto Alexandre Chan.
Na primeira fase do projeto, foram dragados 200 mil m3 de material contaminado. No total, serão dragados 450 mil m3. O material não contaminado é transportado em barcos e jogado no mar, em área licenciada. Além da dragagem, a revitalização contou com a recuperação de 145 mil m² de manguezais e o plantio de novos 180 mil m2.