domingo, 23 de outubro de 2011

De quanto dinheiro o homem precisa?


O centenário conto de Leo Tolstoy “De quanta terra um homem precisa” (How Much Land Does A Man Need?) permite ainda hoje importantes reflexões acerca do dinheiro. A história conta a saga de Pakhom, um camponês russo que vivia com a família em uma pequena fazenda e que dividia com os vizinhos o pasto para os animais.
Um dia a esposa dele recebe a visita da irmã, que conta as maravilhas da cidade e critica a miséria em que vive a anfitriã. Incomodada, a esposa de Pakhom passa desdenhar a vida na cidade e a defender o modo de vida camponês. O marido, que escutava a conversa, diz a certa altura que, se tivesse mais terras, nem o diabo poderia com ele.
Segundo uma antiga lenda russa, o diabo sempre escolhe a chapa do fogão de alguma casa para passar a noite. Naquela noite, ele estava na casa de Pakhom e, ao ouvir as palavras, resolve aceitar o desafio.
A partir daquele dia, o camponês passa a multiplicar suas terras e ganha uma prosperidade sem precedentes. Recebe, então, de um desconhecido, a notícia de que os povos Bashkirs, que viviam em um lugar distante, vendiam excelente terra a um preço baixo. Pakhom vende seus bens e, com a ajuda de um criado, empreende uma longa viagem para a terra dos Bashkirs.
Ao chegar é bem recebido pelo chefe da aldeia e, tão logo é possível, inicia a conversa sobre a compra de terras. O chefe diz que vende “um dia de terra” por um preço que o camponês podia pagar. Mas que forma era essa de medir a terra?
O chefe diz que bastava que eles fossem ao topo de uma colina antes do nascer do sol. Depois de entregar ali o valor combinado, o camponês teria o dia inteiro para marcar a terra que quisesse e esta seria sua. Mas caso não voltasse ao topo da colina antes do sol se por, perderia o dinheiro e ficaria sem terra.
Antes de o sol nascer no dia seguinte, Pakhom observou lá do alto, no local combinado, as mais belas terras que jamais tinha visto. Assim que o sol nasceu, ele começou a empreender uma caminhada e a marcar com pequenos montes de terra seu novo domínio. A cada colina que vencia, via terras ainda mais bonitas, que não poderia deixar de fora.
Depois de muito caminhar, percebeu que o sol estava a pino e que era hora de voltar. Mas durante o caminho via terras importantes para compor seu patrimônio. Um belo lago, um pasto que seria perfeito para as vacas ou um vale para o cultivo de cevada. Em um dado momento, já bastante exausto, notou que o sol começava a se recolher rapidamente. Correu para chegar ao ponto inicial da caminhada.
Quando estava ao pé da colina, o sol lançava os últimos raios do dia. Desanimado, deixou-se cair prostrado ao chão. Lá do alto os índios gritavam e o incentivavam a continuar. O sol se punha, mas os raios ainda alcançavam o topo da colina. O camponês buscou o resto de suas forças e se lançou a um desesperado esforço para chegar ao cume.
Assim que alcançou o destino, uma última nesga de sol ainda resistia no horizonte. Os Bashkirs comemoravam e cantavam alegres a coragem daquele homem. Pakhom, porém, via o horizonte ficar turvo. Com um filete de sangue correndo no canto da boca, caiu nos braços do chefe, que agora se parecia muito com o homem que havia lhe informado sobre as terras baratas. O valente Pakhom estava morto. O leal criado enterrou o corpo do patrão abaixo de sete palmos de terra – tudo de que ele precisava.

:: A nossa corrida diária

A história do pobre Pakhom ilustra muito bem a rotina de executivos, médicos, empresários, bancários, professores e tantos outros profissionais. Tolstoy certamente não conheceu a realidade atual, mas ele compreendia a alma humana. Como o camponês que acreditava que seu sucesso estava em possuir mais terras, o homem de hoje crê que sucesso está no tamanho do patrimônio que tem.
O vale e o lago que não podiam ficar fora das terras de Pakhom são hoje o belo carro, a casa de praia ou de campo, o clube de golfe, a lancha e tantos outros bens que acreditamos serem fundamentais. A crença quase inconteste de que o dinheiro e os bens materiais podem trazer a felicidade está impregnada em nossa sociedade de tal forma que, em determinados momentos, esquecemos que a vida é finita. Esquecemos que talvez não tenhamos tempo para aproveitar todo o imenso patrimônio que gastamos a vida para acumular.
Se Pakhom não tivesse vontade e disposição para conquistar mais terras, teria passado a vida toda como miserável, sem poder oferecer conforto para a família. O que o fez progredir foi a vontade de ter mais terras para trabalhar, de produzir para matar a fome da família e de gerar excedentes para vender a outros. Mas esta mesma força descontrolada lhe levou à morte.
É graças a milhares de Pakhoms descontrolados que vivemos em uma sociedade de tanto progresso material e humano. São insatisfeitos crônicos que constroem grandes grupos empresariais, que descobrem formas de tratar novas doenças e maneiras mais rápidas de se transportar, de se comunicar, entre tantas outras maravilhas da sociedade atual.
Porém, são alguns dos mesmos descontrolados que provocam os golpes financeiros, a corrupção assustadora, os lares sem pais para educar os filhos e uma sociedade de excluídos que frequentemente se revolta e investe contra quem os exclui.

:: O equilíbrio

A vontade de progredir e realizar é fundamental para a felicidade humana e para o progresso de uma sociedade. Pessoas acomodadas e sem vontade de mudar a vida e o mundo tendem a não ser muito felizes.
É justo que as pessoas busquem melhorar suas vidas. É extremamente desejável que as pessoas acumulem bens que lhes permitam ter tranqüilidade material. A busca do progresso individual, se feita com ética e serenidade, possibilita o progresso de todos. Mas é fundamental estabelecer limites para os desejos compatíveis com as possibilidades de cada um.
Evite que sua vida seja consumida pela louca corrida para ter cada vez mais. Lute para progredir, guarde uma parte do que você ganhar para a aposentadoria, mas não se esqueça de aproveitar a vida, pois ela é finita.

Autor: Jurandir Sell Macedo.Artigo publicado no portal do Banco do Brasil.